segunda-feira, 29 de abril de 2019

Zita


Zita
Fazia um frio de rachar naquele dia.
Zita apostou em tudo o que tinha para vender e saiu de casa em cima das longas pernas cobertas por umas collants negras e finas. Segura e cruel como uma deusa. Chispavam na calçada os sapatos vermelhos de salto de agulha, num lento arrastar de pés como se pisassem corações. No canto dos lábios o sorriso de quem mente perante a imunidade do pranto. Dos olhos masculinos saltavam línguas viscosas que sentia descer devagar sobre ela. Nasceu com o fogo no corpo, dizia a mãe, quando ainda tinha força para a segurar.
Mentira! Aprendeu com a vida. Desde pequena. Ainda mal tinham despontado as primeiras penugens e a primavera começava a arredondar-lhe as ancas. Entrou no mundo mercantil, troca por troca, umas apalpadelas por um gelado, a mão por baixo da saia, até ao joelho, uma sandwich de queijo, até às coxas o acrescento de uma cola. Daí para cima, os avanços cada vez mais onerosos.
Tentou apaixonar-se, uma vez. Estavam na discoteca. Ele, moreno, olhos de mel misturados com muitos gramas de malícia, cabelo comprido levemente ondulado. O seu corpo entrou em curto circuito quando dançavam o slow, as pernas se trocaram e o bafo dele se entranhou no seu pescoço. De cabeça perdida entregou tudo o que tinha. Sem contrapartidas. Os beijos afundaram-se até ao âmago do ventre, em brasa.
(…)
Quando se juntaram aos outros, cá fora e ela se encostava a ele, disparou, de sorriso em riste:
- Como é mesmo, o teu nome?
O amor não era, decididamente, a sua casa.
© jorgete teixeira




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