terça-feira, 30 de junho de 2009

Riam-se com este artigo do Ricardo Araújo Pereira

Criancinhas explicadas a Sócrates

O leitor habitual desta coluna, acostumado aos prodígios estilísticos do autor, já percebeu que, uma vez mais, há malandrice no título - e é da sofisticada. Reparou certamente que se trata da inversão da vulgar fórmula "X explicado às criancinhas" em que, no lugar do X, costuma estar um conceito complicado. Aqui, em lugar de explicar o complexo aos simples, pretende-se explicar os simples ao complexo. Isto supondo que Sócrates é complexo, o que infelizmente não se verifica: é, aliás, por isso que sinto necessidade de lhe explicar como funcionam as coisas simples. Será interessante constatar, no entanto, que Sócrates, não sendo complexo, possui vários complexos. O mais proeminente é, neste momento, o complexo de inferioridade provocado pelos resultados das eleições europeias. O primeiro-ministro sabe que, por culpa própria, parte em desvantagem para as legislativas, e portanto resolveu seguir a estratégia pueril das crianças mal comportadas na véspera de Natal: adoptam a postura suave e sonsa de quem nunca fez traquinices, comem a sopa até ao fim e prometem dotar mais generosamente o orçamento da cultura. A grande maioria dos miúdos, não por acaso, esquece este último ponto: o objectivo do estratagema é agradar, e se há coisa de que as pessoas não gostam é de quem promete dar dinheiro aos artistas. Não devemos esquecer que, em português, a palavra "artista" é polissémica a ponto de permitir designar tanto a Paula Rego como os automobilistas que fazem idiotices no trânsito, sendo que é usada muito mais vezes para caracterizar os segundos do que a primeira.

É incompreensível, portanto, que Sócrates anuncie medidas impopulares tão próximo das eleições. E a atitude mansa e benevolente, além de soar a falso, revela pouco sentido de estado: não me lembro de alguma vez termos tido um primeiro-ministro bonzinho (e sublinho também a polissemia da palavra "bonzinho").
Por outro lado, o novo comportamento do primeiro-ministro aproxima-o dos grandes estadistas. As semelhanças entre Sócrates e Obama são cada vez maiores: Obama matou uma mosca durante uma entrevista; Sócrates deu uma entrevista em que parecia uma mosca morta. Não sei se o leitor viu as imagens: incomodado por uma mosca enquanto falava com um jornalista, Obama esperou que o bicho pousasse e matou-o. Em situação idêntica, o Sócrates dos bons velhos tempos também matava a mosca. E o jornalista. Agora, na impossibilidade de entrar a matar, o primeiro-ministro mortifica-se. Vendo bem, Sócrates não mudou muito: dantes, amesquinhava os outros; agora, reverte o amesquinhamento para si próprio. No fundo, não deixou de amesquinhar. Como é evidente, prefiro o Sócrates original e autêntico: não me importo nada quando amesquinha jornalistas e adversários, mas levo a mal que amesquinhe o primeiro-ministro do meu país. Acho uma indignidade. Sobretudo porque me deixa sem nada para fazer.

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