"A sabedoria suprema é ter sonhos bastante grandes para não se perderem de vista enquanto os perseguimos" Faulkner . Conteúdo protegido por copyright © 2008
domingo, 24 de novembro de 2019
GRAÇA PIRES, in UMA VARA DE MEDIR O SOL (Coisas de Ler, 2018)
Os rituais da infância não nos deixam esquecer:
Era verde a sombra das árvores no pátio da escola.
Eram verdes os trigais pejados de papoilas.
Eram verdes os pássaros que traziam um prado
colado ao voo rasante, nas tardes de verão.
E os rios tão verdes. Tão verdes as águas.
Tão verdes os peixes. Tão verdes os barcos invisíveis.
Tão verdes as mãos com que agarrávamos o tempo.
Era verde a sombra das árvores no pátio da escola.
Eram verdes os trigais pejados de papoilas.
Eram verdes os pássaros que traziam um prado
colado ao voo rasante, nas tardes de verão.
E os rios tão verdes. Tão verdes as águas.
Tão verdes os peixes. Tão verdes os barcos invisíveis.
Tão verdes as mãos com que agarrávamos o tempo.
sábado, 23 de novembro de 2019
Beleza
Vem do amor a Beleza,
Como a luz vem da chama.
É lei da natureza:
Queres ser bela? - ama.
Como a luz vem da chama.
É lei da natureza:
Queres ser bela? - ama.
Formas de encantar,
Na tela o pincel
As pode pintar;
No bronze o buril
As sabe gravar;
E estátua gentil
Fazer o cinzel
Da pedra mais dura...
Mas Beleza é isso? - Não; só formosura.
Na tela o pincel
As pode pintar;
No bronze o buril
As sabe gravar;
E estátua gentil
Fazer o cinzel
Da pedra mais dura...
Mas Beleza é isso? - Não; só formosura.
Sorrindo entre dores
Ao filho que adora
Inda antes de o ver
- Qual sorri a aurora
Chorando nas flores
Que estão por nascer –
A mãe é a mais bela das obras de Deus.
Se ela ama! - O mais puro do fogo dos céus
Lhe ateia essa chama de luz cristalina:
Ao filho que adora
Inda antes de o ver
- Qual sorri a aurora
Chorando nas flores
Que estão por nascer –
A mãe é a mais bela das obras de Deus.
Se ela ama! - O mais puro do fogo dos céus
Lhe ateia essa chama de luz cristalina:
É a luz divina
Que nunca mudou,
É luz... é a Beleza
Em toda a pureza
Que Deus a criou.
Que nunca mudou,
É luz... é a Beleza
Em toda a pureza
Que Deus a criou.
©Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'
segunda-feira, 29 de abril de 2019
Era uma vez , uma menina que gostava muito de um dia vir a tocar na ponta de uma estrela, achava que deviam ser fofinhas como as nuvens, quentes como o sol e tinham luz como a lua.
De noite , sonhava muito com as estrelas que tinha visto e acreditava que alguma vez iam cair e entrar no seu quarto, no entanto nada disso tinha ainda acontecido e a menina lá continuava a olhar para o horizonte.
Um dia, quando estava na praia descobriu uma estrela do mar, achou tão linda, queria levá—la consigo para casa, mas o seu Pai lá explicou que não podia ser, porque a casa daquelas estrelas, era ali na praia, a menina mesmo um pouco triste, lá foi deixar aquela estrelinha dentro de água.
Quando regressou a casa, perguntou à mãe :
—Mãe, se as estrelas do mar vivem na praia então as estrelas que vejo de noite, vivem no céu? Também não as posso ter no meu quarto?
A Mãe respondeu :
— Patetice, claro que essas estrelas vivem lá longe, no céu, é a casa delas Filha, mas sabes não as podes ter aqui ,mas quando olhares pela janela, elas vão estar sempre lá para ti ☺...
©Susana Garcia Ferreira
O frasco dos botões
O frasco dos botões
Era uma vez, uma menina que não gostava de brinquedos, os seus familiares ofereciam-lhe no seu aniversário ou no Natal, no entanto não brincava com quase nada e acabavam por ser dados a crianças que não tinham.
A sua Mãe tinha uma sala de costura em casa, era ai que fazia o seu trabalho e aproveitava para arranjar ou fazer roupas para a filha. Esta era ainda pequena e estava sempre debaixo de olho ali naquele espaço, entre linhas e trapos, não fosse fazer alguma marotice.
Podem pensar que não, mas o que mais a divertia era mesmo brincar com aqueles trapos espalhados pelo chão, tinham várias cores e desenhos mas também havia algo com que sempre estava curiosa, um frasco cheio de botões, adorava, ficava a olhar para eles, queria tocar-lhes, ver as cores, inventar brincadeiras, só que estava proibida de mexer o que a deixava triste.
Um certo dia, aproveitando a ausência da Mãe que a tinha deixado distraída a ver televisão para ir fazer uma entrega, entrou na sala de costura onde sabia que não podia ir sozinha, pegou no frasco e zás… espalhou os botões todos, tentou contar quantos eram, adivinhar as suas cores, as formas, brincou tanto, aquilo sim já lhe interessava, estava tão animada que quando olhou pela janela, viu a que a Mãe estava a chegar e desatou a correr e a meter os botões todos dentro do frasco, não podia faltar nenhum, fechou a tampa voltou a meter no sitio e quando ouviu a chave na porta, correu para o sofá.
Aquele simples frasco cheio de botões tinha deixado a menina tão feliz, nunca mais mexeu nele, pois não tinha ainda idade mas ficou com aquela lembrança desse dia e com a certeza que aquelas coisas simples é que faziam os seres pequeninos e grandes felizes, além de também ter percebido melhor o que os adultos queriam dizer quando conversavam com os seus botões…
A sua Mãe tinha uma sala de costura em casa, era ai que fazia o seu trabalho e aproveitava para arranjar ou fazer roupas para a filha. Esta era ainda pequena e estava sempre debaixo de olho ali naquele espaço, entre linhas e trapos, não fosse fazer alguma marotice.
Podem pensar que não, mas o que mais a divertia era mesmo brincar com aqueles trapos espalhados pelo chão, tinham várias cores e desenhos mas também havia algo com que sempre estava curiosa, um frasco cheio de botões, adorava, ficava a olhar para eles, queria tocar-lhes, ver as cores, inventar brincadeiras, só que estava proibida de mexer o que a deixava triste.
Um certo dia, aproveitando a ausência da Mãe que a tinha deixado distraída a ver televisão para ir fazer uma entrega, entrou na sala de costura onde sabia que não podia ir sozinha, pegou no frasco e zás… espalhou os botões todos, tentou contar quantos eram, adivinhar as suas cores, as formas, brincou tanto, aquilo sim já lhe interessava, estava tão animada que quando olhou pela janela, viu a que a Mãe estava a chegar e desatou a correr e a meter os botões todos dentro do frasco, não podia faltar nenhum, fechou a tampa voltou a meter no sitio e quando ouviu a chave na porta, correu para o sofá.
Aquele simples frasco cheio de botões tinha deixado a menina tão feliz, nunca mais mexeu nele, pois não tinha ainda idade mas ficou com aquela lembrança desse dia e com a certeza que aquelas coisas simples é que faziam os seres pequeninos e grandes felizes, além de também ter percebido melhor o que os adultos queriam dizer quando conversavam com os seus botões…
Por haver quedas de água nos seus olhos,
é que é possível intuir, no sulco do poema,
a livre aprendizagem da vida.
Incessante, a sua voz se eleva em rotação de luz
e rompe o círculo das sombras
tão próximo dos lábios
que mais parece a íntima alegria de cantar.
Entre os seus dedos uma ave palpita,
perturbada, como se urdisse em seu voo
o perfil azul-claro das manhãs.
O poeta tem sonhos de barro
enrolados na garganta : o lugar
onde os deuses sopram
a pulsação das palavras
e refazem o sentido dos dias.
.
© Graça Pires
é que é possível intuir, no sulco do poema,
a livre aprendizagem da vida.
Incessante, a sua voz se eleva em rotação de luz
e rompe o círculo das sombras
tão próximo dos lábios
que mais parece a íntima alegria de cantar.
Entre os seus dedos uma ave palpita,
perturbada, como se urdisse em seu voo
o perfil azul-claro das manhãs.
O poeta tem sonhos de barro
enrolados na garganta : o lugar
onde os deuses sopram
a pulsação das palavras
e refazem o sentido dos dias.
.
© Graça Pires
OS AMIGOS TAMBÉM DIZEM AMO-TE
OS AMIGOS TAMBÉM DIZEM AMO-TE
«...Digo amo-te porque não sei dizer o que sinto, sussurrava-me. Porque amo-te é o mais bonito que sei dizer, mesmo que sinta que este é um amor diferente. Os amigos também dizem amo-te, repetia a Laura. Quando voltava a casa tinha as suas palavras nos ouvidos e o contágio do seu sorriso...»
In Diário dos Infiéis de João Morgado
«...Digo amo-te porque não sei dizer o que sinto, sussurrava-me. Porque amo-te é o mais bonito que sei dizer, mesmo que sinta que este é um amor diferente. Os amigos também dizem amo-te, repetia a Laura. Quando voltava a casa tinha as suas palavras nos ouvidos e o contágio do seu sorriso...»
In Diário dos Infiéis de João Morgado
Zita
Zita
Fazia um frio de rachar naquele dia.
Zita apostou em tudo o que tinha para vender e saiu de casa em cima das longas pernas cobertas por umas collants negras e finas. Segura e cruel como uma deusa. Chispavam na calçada os sapatos vermelhos de salto de agulha, num lento arrastar de pés como se pisassem corações. No canto dos lábios o sorriso de quem mente perante a imunidade do pranto. Dos olhos masculinos saltavam línguas viscosas que sentia descer devagar sobre ela. Nasceu com o fogo no corpo, dizia a mãe, quando ainda tinha força para a segurar.
Mentira! Aprendeu com a vida. Desde pequena. Ainda mal tinham despontado as primeiras penugens e a primavera começava a arredondar-lhe as ancas. Entrou no mundo mercantil, troca por troca, umas apalpadelas por um gelado, a mão por baixo da saia, até ao joelho, uma sandwich de queijo, até às coxas o acrescento de uma cola. Daí para cima, os avanços cada vez mais onerosos.
Tentou apaixonar-se, uma vez. Estavam na discoteca. Ele, moreno, olhos de mel misturados com muitos gramas de malícia, cabelo comprido levemente ondulado. O seu corpo entrou em curto circuito quando dançavam o slow, as pernas se trocaram e o bafo dele se entranhou no seu pescoço. De cabeça perdida entregou tudo o que tinha. Sem contrapartidas. Os beijos afundaram-se até ao âmago do ventre, em brasa.
(…)
Quando se juntaram aos outros, cá fora e ela se encostava a ele, disparou, de sorriso em riste:
- Como é mesmo, o teu nome?
Zita apostou em tudo o que tinha para vender e saiu de casa em cima das longas pernas cobertas por umas collants negras e finas. Segura e cruel como uma deusa. Chispavam na calçada os sapatos vermelhos de salto de agulha, num lento arrastar de pés como se pisassem corações. No canto dos lábios o sorriso de quem mente perante a imunidade do pranto. Dos olhos masculinos saltavam línguas viscosas que sentia descer devagar sobre ela. Nasceu com o fogo no corpo, dizia a mãe, quando ainda tinha força para a segurar.
Mentira! Aprendeu com a vida. Desde pequena. Ainda mal tinham despontado as primeiras penugens e a primavera começava a arredondar-lhe as ancas. Entrou no mundo mercantil, troca por troca, umas apalpadelas por um gelado, a mão por baixo da saia, até ao joelho, uma sandwich de queijo, até às coxas o acrescento de uma cola. Daí para cima, os avanços cada vez mais onerosos.
Tentou apaixonar-se, uma vez. Estavam na discoteca. Ele, moreno, olhos de mel misturados com muitos gramas de malícia, cabelo comprido levemente ondulado. O seu corpo entrou em curto circuito quando dançavam o slow, as pernas se trocaram e o bafo dele se entranhou no seu pescoço. De cabeça perdida entregou tudo o que tinha. Sem contrapartidas. Os beijos afundaram-se até ao âmago do ventre, em brasa.
(…)
Quando se juntaram aos outros, cá fora e ela se encostava a ele, disparou, de sorriso em riste:
- Como é mesmo, o teu nome?
Livros
CARLA FÉLIX, in LIVRO ABERTO 2018 (ed. de autor, 2018)
LIVROS...
Livros são sonhos que vagueiam nas mãos dos amantes de poesia
Suscitam a boca no desejo da leitura
Criam correntes de sentir
Unem o incerto
Na certeza de um abraço
Poemas são anseios de uma alma que grita ao mundo
A voz obscura do pensamento
Em códigos soletrados em versos
Livros são poemas por escrever
Em páginas dos dias que correm
Num compasso acelerado...
Suscitam a boca no desejo da leitura
Criam correntes de sentir
Unem o incerto
Na certeza de um abraço
Poemas são anseios de uma alma que grita ao mundo
A voz obscura do pensamento
Em códigos soletrados em versos
Livros são poemas por escrever
Em páginas dos dias que correm
Num compasso acelerado...
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