domingo, 11 de outubro de 2015



Arte© Sofia Palma



Arte © Justyna Kopania

Outonos
Vivo mais um outono. O da dança das estações e o da dança dos muitos anos que visto. Gosto do cheiro da terra que acorda espreguiçando-se no orvalho que se despede do verão, das cores ocres, castanhas e ouro-velho que as plantas e as folhas das árvores ostentam com um orgulho límpido, das nuvens que dão os primeiros passos para esconderem, ciosas, o brilho do sol, das gotas de chuva que lavam os troncos nus porque a sua roupagem se transforma em tapete crepitantemente macio sob os passos ligeiros ou vagarosos. E ainda que sinta saudades do ar morno das manhãs, das horas que se prolongam em demorados crepúsculos, aprendo a sorrir ao despertar tardio das madrugadas e às noites que chegam em prematuras penumbras. Era outono no tempo em que nasci. É outono na contagem do tempo que me foi dado. São cada vez mais azuis todos os outonos que ainda puder esperar, viver e amar…
© Rita Pais
Tela © Paul Gaugin

sexta-feira, 10 de abril de 2015



(SORRI! - Permite-te gostar de sorrir...)
Tens dias em que te faltam uns metros e o mundo,
uma mão e um corpo,
uma palavra e as outras - como cerejas,
e um ombro ao pé do rio
(o de um amigo).
Dizes que chorar no abraço de alguém
a quem dizes como vais te lava a alma
e te faz escorrer as lágrimas como a água da chuva
a caminho do mar
(das tuas mágoas).
Precisas disso – é o que mais dizes.
Mas um amigo é vento:
é o que te soa no sopro como a sua voz, na verdade,
mas é mesmo o vento
que aparece em tempo
para afastar os cantos dos teus lábios um do outro,
como se cada um fosse uma nuvem
e, entre eles, descobrisse um teu sol.
(Deixa que o destapem, é um sorriso.)
© Sérgio Lizardo


quarta-feira, 11 de março de 2015

Conta comigo sempre


Conta comigo sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota
de sangue. Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas ve-
zes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio,
outras tantas tempestade. A nossa memória é um mistério, re-
cordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na qual
consigo distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé.
O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que masti-
gam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada das
pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com
uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se a-
ninha no coração e se alimenta de amor, esse amor acima do
desejo, bem acima do sofrimento.
Conta comigo sempre. Piso as mesmas pedras que tu pisas,
ergo-me da face da mesma moeda em que te reconheço, con-
tigo quero festejar dias antigos e os dias que hão-de vir, con-
tigo repartirei também a minha fome mas, e sobretudo, repar-
tirei até o que é indivisível.
Tu sabes onde estou. Sabes como me chamo. Estarei presente
quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a ho-
ra decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua
antiga coragem vacilar. Caminharei a teu lado. Haverá decerto
algumas flores derrubadas, mas haverá igualmente um sol lim-
po que interrogará as tuas mãos e que te ajudará a encontrar,
entre as respostas possíveis, as mais humildes, quero eu dizer,
as mais sábias e as mais livres.
Conta comigo. Sempre.
© Joaquim Pessoa
Imagem do Google


Rosas


As Rosas

Rosas que desabrochais,
Como os primeiros amores,
Aos suaves resplendores 
Matinais;
Em vão ostentais, em vão,
A vossa graça suprema;
De pouco vale; é o diadema
Da ilusão.
Em vão encheis de aroma o ar da tarde;
Em vão abris o seio úmido e fresco
Do sol nascente aos beijos amorosos;
Em vão ornais a fronte à meiga virgem;
Em vão, como penhor de puro afeto,
Como um elo das almas,
Passais do seio amante ao seio amante;
Lá bate a hora infausta
Em que é força morrer; as folhas lindas
Perdem o viço da manhã primeira,
As graças e o perfume.
Rosas que sois então? – Restos perdidos,
Folhas mortas que o tempo esquece, e espalha
Brisa do inverno ou mão indiferente.
Tal é o vosso destino,
Ó filhas da natureza;
Em que vos pese à beleza,
Pereceis;
Mas, não... Se a mão de um poeta
Vos cultiva agora, ó rosas,
Mais vivas, mais jubilosas,
Floresceis.
© Machado de Assis
Arte © Pierre Auguste Renoir